Salvaguardamos e valorizamos o património documental da Região.

Comissão de Inquérito aos tumultos de 9 de agosto de 1846, na Madeira, em torno de Robert Reid Kalley

Ações disponíveis

Ações disponíveis ao leitor

Consultar no telemóvel

Código QR do registo

Partilhar

 

Comissão de Inquérito aos tumultos de 9 de agosto de 1846, na Madeira, em torno de Robert Reid Kalley

Detalhes do registo

Identificador

32443

Nível de descrição

Fundo   Fundo

Código de referência

PT/ABM/CRRK

Código da entidade detentora

ABM

Código do país

PT

Tipo de título

Atribuído

Título

Comissão de Inquérito aos tumultos de 9 de agosto de 1846, na Madeira, em torno de Robert Reid Kalley

Datas

1841-04-16  a  1851-04-26 

Datas predominantes

1841/1846

Dimensão

109 doc.: 1 cx. (107 doc.); 1 pt. (2 doc.)

Suporte

Extensões

1 Caixa
107 Capilhas
1 Pasta

Entidade detentora

Arquivo e Biblioteca da Madeira

Produtor

Comissão de Inquérito aos tumultos de 9 de agosto de 1846.

História administrativa/biográfica/familiar

O dia 9 de agosto de 1846 marca o culminar da revolta popular madeirense contra o médico escocês Protestante, Robert Reid Kalley, acusado de propagar “entre o povo doutrinas contrárias às consagradas pela Religião do Estado” (1). Nesse dia, pouco depois da missa do meio-dia, uma multidão de cerca de três mil pessoas reuniu-se no largo da Sé, no Funchal, com o intuito de atacar e invadir a residência de Kalley na freguesia de Santa Luzia, provocando muitos estragos e prejuízos (2). Este conseguiu fugir com o apoio do cônsul britânico George Stoodart, tendo embarcado num navio que se encontrava ancorado no Funchal. Face ao sucedido, o governo do Reino nomeou uma comissão, por Decreto de 5 de setembro de 1846, assinado pelo Duque de Palmela, liderada pelo conselheiro, ministro e secretário de Estado, António José de Ávila, com o objetivo de “reparar o mal ocorrido, (…) extirpar todas as causas que possam determinar este acontecimento, ou dar lugar a outros análogos, procedendo-se para este fim a uma indagação e informação cabal de todas as circunstâncias que acompanharam este acontecimento; e adotando-se imediatamente as convenientes providências” (3). António José de Ávila chegou à Madeira a 12 de setembro de 1846, acompanhado do seu ajudante e secretário, conselheiro José Silvestre Ribeiro, mais tarde governador civil do distrito do Funchal, tendo procedido de imediato à recolha de documentos com o objetivo de avaliar as circunstâncias que precederam e acompanharam os motins populares de 9 de agosto contra Kalley, averiguar o comportamento das autoridades, apurar sobre quem recaíam as responsabilidades e justificar, perante o governo, as suas asserções com a prova correspondente (4). O passo seguinte foi fazer mudanças nos cargos administrativos: por alvarás de 21 de setembro exonerou Valentim de Freitas Leal do cargo de governador civil interino do Distrito, substituindo-o pelo secretário geral do Governo Civil, Augusto de Carvalhal Esmeraldo Lencastre (5), e nomeou provisoriamente o comendador João José Bettencourt e Freitas no cargo de administrador do concelho do Funchal, em substituição do Dr. João de Freitas e Almeida (6). No ofício expedido para o Ministério dos Negócios do Reino, datado de 30 de setembro de 1846, registado no caderno de correspondência expedida sobre a Comissão, o comissário António José de Ávila dá conta dos principais acontecimentos ocorridos no período em que Kalley residiu na Madeira entre outubro de 1838 e agosto de 1846, questiona as verdadeiras intenções do britânico e expõe a sua opinião sobre os motivos pelos quais se deu o movimento tumultuário de 9 de agosto (7). Refere Ávila que Robert Reid Kalley chegou à Madeira a 12 de outubro de 1838, acompanhado de sua mulher, dispondo-se de imediato a aprender a língua portuguesa. No ano seguinte, a 17 de junho de 1839, deslocou-se a Lisboa para fazer o exame de Medicina na Escola Médico-Cirúrgica da capital, ficando habilitado a exercer a profissão de médico em Portugal. Após regressar à Madeira em outubro desse ano, Kalley deu início à sua atividade profissional, optando por dar consultas médicas e receitar medicamentos aos doentes de forma gratuita. Pouco tempo depois estabeleceu no Funchal um hospital para doentes pobres e criou várias escolas preparatórias nas freguesias rurais, pagando do seu bolso os ordenados dos professores. No período em que decorriam as consultas médicas, Kalley “lia” e “explicava” a Bíblia aos doentes. Em 1841 chegou mesmo a distribuir-lhes gratuitamente alguns exemplares que mandou vir de Londres, embora em maio desse ano o bispo do Funchal tenha nomeado uma Comissão para examinar esta Bíblia, havendo já uma desconfiança do episcopado funchalense relativamente à edição disseminada pelo escocês. Por Portaria de 26 de abril de 1841, o governo do Reino ordenou ao novo bispo do Funchal que tomasse medidas para suspender a prática religiosa de Kalley. No entanto, apesar de ter prometido abster-se daquela prática, Kalley anuncia ao bispo, na sua carta de 9 de agosto de 1841, que irá retomar as reuniões religiosas em sua casa no domingo seguinte, dia 15 (8).Em janeiro de 1843, dois dos seus seguidores renunciaram à religião católica, indo publicamente comungar na igreja presbiteriana escocesa: um deles era Nicolau Tolentino Vieira, criado de Kalley, que se estabeleceu publicamente no Lombo das Faias, na freguesia de Santo António da Serra, e se encarregou, nesta freguesia, de dirigir uma das escolas do britânico. Se, a princípio as autoridades elogiaram Kalley pelas suas atividades filantrópicas, em 1843 era opinião pública que este fazia propaganda ao Protestantismo, o que gerou insultos populares à porta de sua casa, vendo-se obrigado a pedir proteção policial, tendo-a obtido por via do cônsul inglês. Em resposta às representações das autoridades para que suspendesse palestras e discursos sobre matérias religiosas, Kalley foi intimado no dia 17 de março de 1843, tendo protestado contra o ataque à sua liberdade religiosa. Nesse dia, o governador civil do Funchal publicou um edital em que proibia expressamente estas reuniões religiosas, declarando que fazia proceder contra todos os que o coadjuvassem no propósito de propagar as suas doutrinas, demonstrando que nem a Carta Constitucional da Monarquia nem o Tratado de 1842 podiam autorizar qualquer súbdito britânico de propagar entre os portugueses as suas opiniões religiosas por atacarem a religião do Estado. A este edital respondeu Kalley com a sua “Exposição de Factos”, que imprimiu em abril de 1843. Não obstante Kalley ter escrito na sua carta ao cônsul britânico, datada de 14 de maio de 1843, que tendo de levar o assunto à consideração dos governos português e britânico, tinha resolvido não admitir mais portugueses em sua casa para o culto religioso, pouco tempo depois foi pronunciado pelos crimes de blasfémia, heresia e promoção da apostasia, tendo o juiz negado fiança. Por esse motivo, Kalley foi preso a 26 de julho de 1843. Na mesma altura, a Comissão encarregada de examinar a Bíblia determinou que aquela não era uma cópia fiel da Bíblia do padre António Pereira de Figueiredo. Com efeito, pela Pastoral de 23 de setembro de 1843, o bispo eleito de Castelo Branco, governador temporal e vigário capitular do bispado proibiu a sua circulação e distribuição. Três meses depois, a 1 de janeiro de 1844, Kalley foi solto, tendo obtido provimento do Tribunal da Relação de Lisboa no agravo que interpôs pela denegação da fiança. Porém, foi pronunciado pela mesma Relação a 7 de dezembro do mesmo ano. Para evitar as consequências, Kalley foi para Lisboa a 15 de janeiro do ano seguinte, onde prometeu não se ocupar mais de assuntos religiosos e de se limitar ao exercício da sua profissão de médico. Após o seu regresso à Madeira a 18 de fevereiro de 1845, absteve-se das reuniões religiosas em sua casa não deixando, no entanto, de o fazer na casa dos seus seguidores. Neste regresso de Lisboa à Madeira, Kalley veio acompanhado de Mr. Hewitson, que segundo a imprensa escocesa de novembro de 1844, tinha recebido ordens para trabalhar com os protestantes convertidos na Madeira. No dia 2 de agosto de 1846, aconteceu o que o comissário António José de Ávila considera ser o movimento precursor dos tumultos de 9 de agosto: um grupo de cerca de quarenta pessoas reuniu-se à porta de casa das senhoras Ruthfurd, na rua das Angústias, na cidade do Funchal, no momento em que Arsénio Nicós da Silva, português convertido ao Protestantismo, ministrava o culto, estando também presente o cónego Teles que exibia um crucifixo nas mãos. Estes amotinados exigiam que as senhoras Ruthfurd expulsassem de sua casa os seguidores de Kalley. Ao recusarem, estes indivíduos insurretos arrombaram as portas e espancaram algumas pessoas, tendo a polícia capturado apenas dois homens que estavam junto de um dos feridos.Os movimentos tumultuários dos dias 2 e 9 de agosto de 1846 contra Robert Reid Kalley, em especial o segundo, de acordo com o comissário António José de Ávila, "foram consequência da irritação, que necessariamente provocaram os esforços dum estrangeiro para destruir, neste país, a Religião de seus habitantes, dum estrangeiro, que desacatava as nossas Leis, não respeitava as nossas autoridades, iludia sem pudor as mais solenes promessas, e parecia convencido de que todos os meios lhe eram bons para chegar aos seus fins". Em virtude destes acontecimentos, sem precedente na ilha da Madeira, cerca de dois milhares de madeirenses viram-se forçados a emigrar para as Caraíbas, o estado norte-americano de Illinois e o Brasil. (1) (3) Certidão do Decreto de nomeação do conselheiro, ministro e secretário de Estado honorário, António José de Ávila, para presidir à Comissão de inquérito aos tumultos de 9 de agosto. ABM, CRRK, cx. 1, n.º 106.(2) Certidão do ofício do administrador interino do concelho do Funchal, João de Freitas e Almeida, para o governador civil do Distrito do Funchal. ABM, CRRK, cx. 1, n.º 69.(4) (7) Cadernos de registo de correspondência expedida por António José de Ávila relativa à Comissão de averiguação dos tumultos de 9 de agosto. ABM, CRRK, cx. 1, n.º 82.(5) Alvará de nomeação provisória do comendador João José Bettencourt e Freitas no cargo de administrador do concelho do Funchal, em substituição do Dr. João de Freitas e Almeida. ABM, CRRK, cx. 1, n.º 73.(6) Alvará de exoneração de Valentim de Freitas Leal do cargo de governador civil interino do Distrito, substituindo-o o secretário geral do Governo Civil, Augusto de Carvalhal Esmeraldo Lencastre. ABM, CRRK, cx. 1, n.º 74.(8) Carta do Dr. Robert Kalley para o bispo do Funchal, Januário Vicente Camacho. ABM, CRRK, cx. 1, n.º 5.

História custodial e arquivística

Este fundo documental encontrava-se nos inícios da década de 1980 na posse da Dr.ª Sara de Portugal, diretora da Sala de Documentação Contemporânea, situada na rua dos Ferreiros, sub tutela da Direção Regional dos Assuntos Culturais.

Fonte imediata de aquisição ou transferência

O fundo foi transferido em junho de 2008 da Biblioteca Pública Regional (BPR) para o Arquivo Regional da Madeira (ARM), hoje Arquivo e Biblioteca da Madeira (ABM).

Âmbito e conteúdo

O arquivo da Comissão de inquérito aos tumultos de 9 de agosto de 1846 em torno de Robert Reid Kalley é composto por 109 documentos de diversas tipologias - certidões de ofícios, correspondência, pareceres, mandados, alvarás, apontamentos - que permitem recuperar o percurso histórico do médico escocês na Madeira, onde residiu durante oito anos e fundou a primeira comunidade Protestante em Portugal. As secções A a E, classificadas tematicamente, são constituídas predominantemente por documentos reunidos e acumulados pelo comissário régio na ilha da Madeira, António José de Ávila, na Comissão de inquérito que liderou, criada por Decreto de 5 de setembro de 1846, para averiguar as circunstâncias que precederam e acompanharam a revolta popular de agosto de 1846, que precipitou a fuga de Kalley da Madeira.A secção F "Constituição da Comissão" reúne documentação produzida e recebida por António José de Ávila no exercício do seu cargo de comissário, destacando-se os documentos de nomeação, correspondência recebida e expedida com os vários ministérios do governo, apontamentos e alvarás de nomeação e exoneração. Estes documentos assumem grande importância na medida em que atestam o início da evangelização Protestante na Madeira através da igreja presbiteriana escocesa, as intimações dos clérigos e das autoridades, o pronunciamento de Robert Kalley pelos crimes de blasfémia, heresia e apostasia da religião católica, a sua detenção e, consequentemente, os tumultos de 2 e 9 de agosto e, por fim, a visão e conclusão do comissário António José de Ávila sobre os acontecimentos.

Sistema de organização

O fundo foi organizado seguindo uma classificação temático-funcional: Os documentos que integram as secções A a E (classificação temática) foram recolhidos e acumulados por António José de Ávila, comissário do governo do Reino na Madeira no inquérito aos tumultos de 9 de agosto de 1846, com o objetivo de averiguar os acontecimentos e provar as suas asserções com a prova correspondente. A secção F "Constituição da Comissão" (classificação funcional) reúne os documentos de nomeação de António José de Ávila como comissário, bem como documentos que atestam o seu posicionamento, refletido nos apontamentos, alvarás, correspondência, entre outros. Optou-se por atribuir uma classificação temática às secções A a E, não só por refletirem toda a documentação acumulada que serviu de base para instruir os processos que permitiram à Comissão desenvolver os seus trabalhos de inquérito, mas também para reconstruir uma linha temporal desde os primeiros tempos de Kalley na Madeira até aos tumultos que precipitaram a sua fuga da ilha. As séries desta secção foram ordenadas alfabeticamente.Foi adotado o critério cronológico para todos os documentos da secção F; os documentos das secções A a E foram ordenados cronologicamente de acordo com a data original dos mesmos.

Condições de acesso

Comunicável.Este fundo não possui documentos de acesso condicionado.

Idioma e escrita

Português, inglês e francês.

Instrumentos de descrição

Catálogo do arquivo da Comissão de Inquérito aos tumultos de 9 de agosto de 1846, na Madeira, em torno de Robert Reid Kalley. Instrumento descritivo n.º 129 (https://arquivo-abm.madeira.gov.pt/media/IDD_129_CRRK.pdf). Igualmente disponível na Sala de Leitura do Arquivo e Reservados do ABM e em linha na plataforma de descrição documental: https://arquivo-abm.madeira.gov.pt/details?id=32443.

Notas do arquivista

TítuloCatalogação do arquivo da Comissão de Inquérito aos tumultos de 9 de agosto de 1846 ArquivistaPaula Gonçalves Data2022-10-04 Nota do arquivistaCatálogo do arquivo da Comissão de Inquérito aos tumultos de 9 de agosto de 1846, na Madeira, em torno de Robert Reid Kalley. Instrumento descritivo n.º 129, disponível na Sala de Leitura do Arquivo e Reservados do ABM e na plataforma de descrição documental: https://arquivo-abm.madeira.gov.pt/staticContent?id=fondsguide.Revisão da descrição e instrumento descritivo normalizado: outubro de 2022.

Publicador

josevieiragomes

Data de publicação

28/10/2022 15:43:04